Como estas parecem ter sido as únicas coisas que tenho escrito ultimamente, pensei que seria interessante juntar tudo em um lugar só.
![](https://yasminchinelato.wordpress.com/wp-content/uploads/2023/10/cb4e5edb-b9d7-430a-be50-f28a4d1360d0.jpg?w=1024)
Em uma noite de setembro, fui com algumas amigas à uma livraria em São Paulo conhecida por focar exclusivamente em livros escritos por mulheres. O fato de o nome ter sido inspirado em um dos livros que figura na minha tríade de favoritos me pareceu um motivo forte para fazer uma vista. Também nesta noite em específico acontecia um encontro para discutir o lançamento da edição de Savannah Bay, de Marguerite Duras, uma das minhas autoras favoritas – o que com certeza era outro. O encontro aconteceu. Infelizmente enquanto nós nos deixávamos seduzir pelo vinho e a massa napolitana da pizzaria na esquina, responsável por nos convencer a estender a conversa. Neste dia, não comprei a nova edição de Duras, nem ouvi a conversa sobre seu livro; mas conheci Didion e convenci uma amiga a voltar para casa levando na bolsa um dos meus livros de cabeceira (só vantagens). Um comentário sobre este primeiro pode ser encontrado na sequência deste textinho, junto com outros, que não tem nada a ver com ele. Eles foram publicados primeiro no Goodreads, na tentativa ilusória de retomar o ritmo e atingir a meta de leitura que no começo do ano registrei no site. Em setembro, eu acreditava possível. Em outubro, já não tenho mais muitas esperanças. Mas pelo menos li umas coisas legais.
![](https://yasminchinelato.wordpress.com/wp-content/uploads/2023/09/image.png?w=399)
The Complete Maus by Art Spiegelman
My rating: 5 of 5 stars
Um dos episódios mais brutais da história da Humanidade contado de forma afetiva e extremamente humana.
A vida sempre toma o partido da vida, e as vítimas levam a culpa. Mas não foram os melhores que sobreviveram ou morreram. Foi aleatório.
Maus é uma graphic novel de Art Spiegelman originalmente publicada na revista Raw. Nesta edição, reúne em uma obra única os dois volumes que contam a experiência de Vladek, seu pai, durante a Segunda Guerra Mundial.
Na capa, a imagem de dois ratos de aparência assustada se sobrepõe a uma outra, um gato com traços de Hitler, cujas linhas de fundo formam uma suástica. Estamos sob o domínio da Gestapo, na Alemanha nazista e territórios anexados. No livro, os ratos são a escolha estilística de Spiegelman para representar os judeus, enquanto os alemães serão desenhados como gatos. Outros animais também se juntam ao conjunto: os poloneses como porcos e os americanos, como cachorros.
Ao pegar este volume em mãos pela primeira vez, confesso que esperei saltarem palavras como Partido Nazista ou Terceiro Reich. O extermínio ético sendo contado a partir de politicagens e outras leis, com todos aqueles termos que se destacam quando ouvimos falar sobre o Holocausto. Mas, para além da imagem do gato com bigodinho à qual somos introduzidos na capa, a narrativa parece tomar um outro rumo. Nos distanciamos das batalhas, dos bombardeios e ocupações. A história contada por Art é, sobretudo, sobre outra coisa. Ou outro alguém. Vladek, seu pai. Anja, sua mãe. E outros nomes que, ainda que de passagem, representam histórias reais de pessoas reais, que fizeram o possível para viver e sobreviver à concreticidade dos acontecimentos.
A narrativa se divide em duas épocas: o presente de Vladek, um homem normal, sovina e já um pouco rabugento que vive em Rego Park, na cidade de Nova Iorque, com sua companheira, Mala; e as memórias do seu passado, reconstruídas entre cafés, remédios e caixas de cereais meio abertas, relatadas nas visitas de seu filho e atravessadas pelos diversos elementos que uma relação entre filho e pai pode vir a movimentar.
No presente narrativo, cria-se uma moldura um tanto metalinguística, na qual o quadrinista descreve a experiência de entrevistar seu pai para um projeto que vinha desenvolvendo, uma história em quadrinhos sobre o Holocausto.
O relato de Vladek retorna aos anos que antecederam a ocupação alemã, em um contraste chocante entre a posição da família no pré-guerra e o destino de muitos de seus membros nos campos de concentração nazista. O que difere, no entanto, este de tantos outros relatos que encontramos nos livros de História é justamente o seu caráter real. Não no sentido fatídico e documental do termo, mas nas linhas afetivas que o constroem, onde há espaço para os eventos, mas também para as subjetividades que os entremeiam. Não se fala especificamente sobre datas ou acontecimentos pontuais – o próprio conceito de tempo é desconstruído, destruído da perspectiva de Vladek – mas sobre os dias e as estratégias para sobreviver a eles enquanto todo o resto seguia acontecendo do lado de fora.
A relação de Art com o pai se constrói sob o signo de culpa, marcada pelo fato de ter uma vida confortável, distante dos horrores vividos por seus antepassados. Apesar disso, também se delineia de forma orgânica: com brigas e desentendimentos, com a falta de paciência de Art, com a personalidade difícil de Vladek. Ao criar o perfil do pai, Art escolhe retratar aspectos familiares, com os quais cresceu e que muitas vezes reprova, ao invés de simplesmente encaixá-lo no imaginário da vítima de uma atrocidade, que automaticamente se torna frágil e com a qual se deve adotar uma atitude condescendente. No lugar disso, remarca a sua personalidade e seus traços atuais, muitas vezes também falhos. Um exemplo é a passagem na qual Vladek age de maneira racista após Françoise aceitar dar carona a um homem negro, ao qual se refere pejorativamente como schwartser. Ao ser reprimido pela nora, que aponta a contradição em ele, uma vítima do antissemitismo, adotar uma atitude como esta, diz que “não se pode comparar, os schwartsers e os judeus”.
Enfim o livro é publicado e a atenção recebida por ele também se torna tema dos quadrinhos. Art descreve o seu bloqueio e a crise que o desencadeia em uma visita ao seu psiquiatra, um tcheco que também sobreviveu à Auschwitz, trabalhando o sentimento de culpa, a raiva e a relevância de se contar tais histórias.
“- Tentei ser justo sem omitir minha raiva (…) Por mais que eu faça, parece pouco em comparação com sobrevier a Auschwitz.
– Mas você não esteve lá… Esteve em Rego Park.”
Igualmente sensível e brutal, este é um livro obrigatório para todos que se interessam por histórias sobre a Segunda Guerra Mundial e sobre o Holocausto. Mesmo para aqueles que não gostam de histórias em quadrinhos. Uma leitura que toca e que faz refletir.
Fundação by Isaac Asimov
My rating: 3 of 5 stars
12.000 anos se passaram desde o início do Império Galáctico; e sabe-se lá quantos mais desde a nossa era, dos chamados povos primitivos. A Humanidade conquistou o universo e se espalhou sobre ele. Dominou mundos inabitados, muitas vezes inóspitos, e conseguiu transformá-los em um lar. E mesmo assim, sua organização continua a mesma. Politicagens, golpes, subornos, manipulações e disputas de poder; um universo governado por homens, em que apenas homens têm protagonismo (a escassez até mesmo de personagens femininas, quem dirá de seu protagonismo, é um ponto a ser observado). É sobretudo uma história política, contada de uma forma impessoal colocada no imaginário de naves e planetas. Os saltos temporais também a tornam um pouco cansativa: com exceção de Hari Seldon, a única constante nas trezentas e poucas páginas que formam este primeiro volume, todos os outros são nomes passageiros, que certamente desempenham um papel no plano geral, mas que não se prendem a ele. Depois de um certo ponto, parece claro que a História está definida, a única coisa que resta a fazer é esperar pela próxima Crise Seldon.
Algumas jogadas, no entanto, são bem interessantes: a substituição do termo “deus” em algumas expressões, como “Sabe-se lá o espaço” ou “Pelo Espaço! / Pela Galáxia!”; a ideia de transformar a psicologia em uma ciência exata.
Não é um mau livro, mas não é exatamente o que estava esperando deste que é considerado um dos maiores clássicos de ficção científica. Lerei o resto da trilogia, mas já sem muitas expectativas.
Noites Azuis by Joan Didion
My rating: 5 of 5 stars
Este é um comentário escrito sobretudo com a emoção, sobre um livro que me tocou em lugares que não imaginei serem tão sensíveis, que me fez sentir e refletir de maneiras inesperadas.
Em Noites Azuis – este que foi um dos últimos livros de Joan Didion e também o primeiro que li dela -, a autora trabalha um assunto que assombra toda mãe: a morte de um filho. Quando o comprei, às cegas, meio que movida majoritariamente pela vontade impulsiva de ler algo da autora, não imaginei que era essa a premissa; e por um momento não tive certeza de que iria terminá-lo.
Mas a leitura fluiu como uma conversa íntima com uma amiga que conheceu as suas dores e resolveu aceitá-las. A maneira como Joan lida com a perda – de Quintana, mas também de John e, ao que parece em alguns momentos, também um pouco dela mesma – faz parecer que a morte nos é intrínseca, ela está lá, à espreita, esperando para acontecer. O que resta, depois, é uma coleção de memórias: as flores de noiva, a tatuagem visível da filha ou o salto vermelho de seus sapatos louboutin, os momentos compartilhados nos quartos de hotel, em uma infância atípica, mas detentora de tantas lembranças…
Então, a narrativa da morte torna-se também a narrativa de uma vida; sobre como esta vida, a vida de um filho, atravessou a sua. Sobre como este atravessamento a marcou – do momento do encontro com o Doutor Blake que tinha uma linda menininha para apresentá-la ao momento em que se vê sentada na antessala de um hospital esperando para receber o que parece ser o diagnóstico de sua « velhice ».
Este, também, é um assunto que me tocou muito. A maneira como Joan Didion fala sobre a velhice. O fato de Joan Didion falar sobre a velhice. O fato de se colocar como uma mulher de 75 anos. Uma mulher que se percebeu com 75 anos, sem ter se dado conta de que eles haviam chegado, talvez sem precisar se dar conta de que eles chegavam.
Sobre a velhice, ela escreve (e entre as muitas marcações que fiz nesse livro, acho que esta, embora um pouco longa, deve ser compartilhada):
« O envelhecimento e seus sinais continuam sendo os eventos mais previsíveis da vida, contudo também continuam sendo questões que preferimos deixar intocadas, inexploradas: já vi lágrimas inundarem os olhos de mulheres adultas, mulheres amadas, mulheres de talentos e conquistas, porque uma criancinha na sala, quase sempre uma sobrinha ou sobrinho querido(a), as havia descrito como “enrugadas” ou lhes havia perguntado quantos anos tinham. Quando nos fazem esta pergunta, sempre nos sentimos arrasadas com sua inocência, de certa maneira envergonhadas pelo tom límpido com que é feita. O que nos envergonha é o seguinte: a resposta que damos nunca é inocente. A resposta que damos é confusa, evasiva, até mesmo culpada. » Por que nos culpamos por envelhecer? Por que nos enfiamos em um molde de performance e produtividade que só é válido em uma certa idade?
Por fim, antes de terminar, gostaria de ressaltar que em livros como este, o nome da tradutora deveria vir assim, na capa, em um lugar mais ou menos de destaque, porque a tradução de Ana Carolina Mesquita foi tão importante quanto a própria escrita para fazer com que eu sentisse este livro. Talvez ler um livro assim tão intenso na minha língua materna fosse o respiro que eu precisava; talvez seja esta a razão pela qual mergulhei tão intensamente nele. Porque em português, retirada a barreira da linguagem, sobra espaço pra outras análises. Mas este é um assunto pra uma outra reflexão.
Feliz desta descoberta e ansiosa por descobrir novas coisas da autora.
![](https://yasminchinelato.wordpress.com/wp-content/uploads/2023/09/image-1.png?w=349)
L’Amant by Marguerite Duras
My rating: 4 of 5 stars
« Une histoire d’amour », ça se dit partout. Je ne le dirais pas. C’est moins une histoire d’amour que l’histoire d’un amant. De l’amant, celui qui donne titre au livre, et autour duquel toutes les autres thématiques se déroulent.
Ces sont nombreux les éléments explorés par Duras dans ce livre. Des découvertes de toutes sortes. Toujours liées à lui, à la figure de l’amant.
L’entendement de soi par rapport à la découverte de son corps et de sa sexualité. Sa première fois avec un homme et les désirs que ce corps est capable de ressentir et de reproduire. Le délire lesbien avec Hélène L., qu’elle souhaitait donner à son amant juste pour savoir à quoi ça goûtera.
L’identification de la marque de la folie qui retombe sur sa famille, surtout sur sa mère, et les relations qui en découlent.
« Je vois clairement la folie pour la première fois. Je vois que ma mère et clairement folle. Je vois que Dô et mon frère ont toujours eu accès à cette folie. Que moi, non, je ne l’avais jamais encore vue. »
L’opportunité d’échapper de cette famille, de cette folie, « d’aller à l’encontre de l’interdit » où se trouve l’amour de l’amant, l’amour comme un acte qu’elle aimera faire depuis son premier amant, depuis la découverte charnelle de l’amour.
Aussi des indices, comme d’habitude chez Duras, de sa connexion avec l’écriture, l’acte d’écrire et ses processus. L’écriture chez Marguerite est dépeinte presque comme une addiction ; quelque chose de laquelle elle ne peut pas échapper ; sa destination et le but de sa vie. Là, elle affronte sa mère, elle l’a dit : « Je veux écrire. Déjà je l’ai dit à ma mère : ce que je veux c’est ça, écrire (…) Je lui ai répondu que ce que je voulais avant toute autre chose c’était écrire, rien d’autre que ça, rien. »
Plus tard elle écrira : « Écrire, c’était ça la seule chose qui peuplait ma vie et qui l’enchantait. Je l’ai fait. L’écriture ne m’a jamais quittée. »
La première fois que j’ai pris ce livre à lire, j’étais motivée par une passion soudaine des écrites de Duras. De son essai, Écrire, et de sa relation avec l’écriture. Cette fois-ci, je l’ai lu avec un autre regard et d’autres expériences. Il m’a semblé facile – et facile n’est pas un adjectif que j’utiliserais pour décrire Duras – comme si l’histoire de cette femme était la seule chose dont j’avais besoin en ce moment précis. Ce classique, je le recommande à tous ceux qui ont déjà eu contact avec l’écriture de Marguerite, et aussi à ceux qui veulent la découvrir. Son style caractéristique est manifesté partout. Tout en lui étonne.