Um dia, fui mãe.

Uma mãe em algum museu em Londres.

Tem algum tempo que não escrevo sobre maternidade. Este que, por muito tempo, pensei ser o meu único assunto. Estar longe às vezes me parece ter feito perder este direito. Eu não estou lá.

Estou cá. Do outro lado de uma tela onde minha voz não é mais uma voz. É um eco. É o fantasma de uma voz que reverbera sem fim, que falha ante a menor estabilidade, que pode ser desligada. E que às vezes é. Pois eu não estou lá.

Estou cá. Do outro lado do oceano. A oitomilseiscentosevintequilômetros. Estou na sala de um consultório fechado, ouvindo a médica que colocará o meu implante perguntar se tenho filhos. Digo que sim, e a afirmação também ecoa. A ouço agora em sua voz, em outro tom. Aquele de surpresa. Talvez haja algo de estranho sobre uma mulher antes do trinta dizendo que tem filhos neste país. Onde as mulheres na universidade não param para parir. Onde o planejamento familiar é uma realidade e os métodos contraceptivos mais ou menos acessíveis. Onde a mulher sentada na mesa atrás da placa com um Madame que antecede o seu nome não tenha de crispar os lábios para avisar a paciente antes de mim que ela precisará esperar algum tempo para poder se consultar pelo sistema único de saúde, pois a única ginecologista ativa naquela região priorizara o atendimento a mulheres grávidas em vez de àquelas que escolheram não engravidar. O outro talvez tenha ganhado na loteria, porque nos abandonou aqui. Faz meses que não aparece no trabalho. Então é melhor você só deixar pra lá. Em vez disso, pergunto quanto tudo isso vai me custar e ela me responde, como se fosse óbvio, que está tudo segurado. Bom, pelo menos a maior parte. Sessenta e cinco por cento e o resto pela mutelle. Mas esse não é o meu caso.

Deitada em uma maca com a blusa soerguida enquanto uma estranha aperta o meu peito em lugares específicos, me pego contado uma meia-mentira. Ela encandeia muitas outras. Digo que sim quando pergunta se meu filho ficou com o pai, meu ex-cônjuge. Se se relacionam bem. Se nos relacionamos bem. Ela me pergunta se ele vai bem na escola e respondo que é muito inteligente. Essa parte é verdade. Mas intimamente, tento fazer com que as coisas pareçam mais simples do que realmente são. Talvez exista uma parte do meu cérebro que acredita realmente que se eu disser essas coisas, a história seja menos complexa. Melhor digerida. Mais fácil de compartilhar. Desde que não precise entrar nas nuances de um relacionamento frustrado que marcou o início dos meus vinte anos, nos detalhes da nossa irresponsabilidade jovial ou nos malabarismos que fizemos para manter tudo isso nos trilhos enquanto o mundo sacolejava a nossa volta.

Eu não estou lá e não falo sobre isso. Visto minha blusa. Porque é doloroso. Uma pequena mentira. Porque sei que a distância de todo o mar não mudou apenas a minha rotina, mas cortou um laço forjado em cobre no imaginário das relações, sobre o qual vim construindo a maior parte da minha existência. Eu sento na cadeira. Não falo, sobretudo, porque no íntimo, em um lugar secreto atrás de uma porta trancada que não acesso jamais, estou onde deveria estar. Ela me entrega a prescrição impressa em letras serifadas que o farmacêutico não precisará decifrar. A suspensão temporária das responsabilidades. Eu leio com cuidado cada palavra em francês. A elipse da frustração. Pego minha bolsa e me encaminho para a porta. As perspectivas.

– Até a próxima consulta.

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